terça-feira, 3 de abril de 2007

Macau Continuação



Mesmo antes de tratar da higiene pessoal fui olhar pelas janelas da casa. Duas para as traseiras mostravam a rua que ia desembocar num largo a norte onde depois saberia que se situava o Templo à deusa Mon Ha, duas janelas para cima de um telheiro de zinco e duas para a doca e recinto das oficinas.
Na doca com cerca de 100x100 metros, observei uma velha draga de baldes, uma pequena draga de sucção, atracadas lado a lado junto a um barracão de zinco com aspecto decrépito que mais tarde soube ser a antiga fundição agora desactivada. Uma espécie de cacilheiro de um só piso e duas vedetas de madeira encontravam-se atracadas a um cais que era ladeado por uma construção baixa e comprida que se seguia a um barracão quadrado de zinco.











Não tardou muito que as oficinas se enchessem de operários chineses e entre eles lá vi uma farda de sargento e a de um marinheiro. Já a manhã ia quase no fim quando me apareceu o Director cessante, engenheiro F. N. cuja figura me fez lembrar a tal de palhinhas e bigode que vira à minha chegada na tardinha do dia anterior no cais. Homem esperto mas muito singular este Eng. ! Fez-me a entrega da Direcção das Oficinas num abrir e fechar de olhos e ia-me dizendo. “Você tem muito tempo para ler a papelada que está aí nas gavetas e o À Peng sabe tudo! E olhe quando algum F. da P. o chatear mande-o puxar o cordel daquele frade que está em cima daquela estante! Ouviu? A começar pelo capitão do porto que julga que lá porque é quem é, já pode mandar fazer tudo nos barcos da capitania de borla! É o maior e o pior cliente das oficinas!” Referia-se ao Cte A. S. V., homem honestíssimo competente e trabalhador, com que eu viria a ter as minhas pegas, mas que admirava e cuja memória venero.
As oficinas em si estavam instaladas em edifícios com aspecto degradado e assim se mantiveram apesar dos esforços feitos para mudar a situação. Parece que houve sempre uma falta de interesse dos diversos Governos para desenvolver e melhorar as instalações destas oficinas que eram cruciais para a economia da província, e onde se efectuavam construções navais e obras para serviços oficiais e particulares que lhe conferiram grande importância e o respeito geral. Antes de me referir melhor às oficinas não posso deixar de lembrar a casa do Director, assim se chamava o pardieiro que a Administração me disponibilizou para a minha morada durante toda a estadia, que em principio seria de 4 anos. Poderá dizer-se que se situava no sótão da oficina de carpintaria que se podia observar, através das frinchas do soalho. Para além das divisões que me foi dado observar na noite da chegada, possuía um terraço que se estendia ao longo do telhado das oficinas de carpintaria e da caldeiraria e onde se situavam uns casinhotos que constituíam uma pequena cozinha sem quaisquer apetrecho, um tanque de lavar a roupa, uma divisão dividida a meio por um tabique de madeira esburacado, um compartimento que o Eng. Antas havia utilizado como câmara escura e laboratório fotográfico, a que mais tarde eu haveria de dar a mesma utilização, e uma outra divisão com uma tábua de passar a ferro e umas prateleiras, onde existia uma cabeça de felino embalsamada.. Enfim, umas instalações que faziam inveja às do palácio do Governador! Fui apresentado sumariamente aos mestres das oficinas, à medida que as percorria. À direita, de quem entra o portão, situava-se a oficina de serralharia, um verdadeiro museu de máquinas ferramentas, onde os tornos e demais máquinas bebiam o seu movimento de uma árvore de tambores dependurada da estrutura do teto com as suas correias de transmissão bamboleando-se no espaço, comandadas por forquilhas de deslizamento horizontal. Tudo à custa de um único motor eléctrico. Uma beleza !. Lembrei-me das iluminuras dos velhos livros técnicos que no meu tempo de estudante ia consultar na Biblioteca do Porto. E tudo aquilo funcionava.






Aí vi fazer inimagináveis maravilhas, desde tornear uma camisa de motor com mais de um metro de comprimento, até maquinar uma cabeça de um motor da Central geradora da província, cujo molde diga-se de passagem foi executado na oficina de carpintaria pelo carpinteiro de moldes.

O Mestre da oficina de serralharia era de idade avançada e já corcovado, o nome não me recordo, mas era o pai do À Cau que lhe sucedeu. Um bom manhoso este À Cau, por sinal. E havia aquele torneiro, já velhinho, todo curvado que fazia lembrar um pinheiro crescido nas matas de São Pedro de Muel açoitado pelos ventos inclementes do norte.
Esta oficina estendia-se entre a estrada e o molhe que ladeava a doca e tinha no topo o cabeço onde se fixava o guincho manual de elevação das embarcações na rampa da doca.

A seguir vinha o telheiro da oficina da carpintaria onde se encontrava em construção uma vedeta em madeira de teca e que se destinava à Polícia Marítima.
Perguntei ! Quem fez o projecto?”
“Fui eu” respondeu-me o Eng. N.
“Mas você tem algum curso de construção Naval?” perguntei !.
“É , tirei um curso por correspondência! Já estão duas a navegar. Têm um motor Perkings de 100 cavalos mas andam pouco; è preciso meter-lhes outro motor porque os juncos andam mais do que elas. Os juncos utilizam os velhos motores Gardner retiradas dos autocarros de Hong Kong a que ligam uma caixa inversora feita por umas oficinas chinas que para aí existem”
E quem calculou os hélices? Perguntei.
“Foi a Perkings com os planos que se enviaram para Inglaterra.



Na oficina de carpintaria, empoleirado numa tábua em cima de um cavalete, sujeitando a tábua com os pés e trabalhando um arco de pua, encontrava-se um chinês pequenino e magrizela que mais parecia um macaco do que um homem.
“É o carpinteiro de moldes o À........? Tem uma habilidade e uma cabecinha extraordinárias. É uma jóia rara.”
Estava, vim mais tarde a sabe-lo, a construir o molde da cabeça de um grande motor gerador da MELCO (Electricidade de Macau).

E assim me fui dando conta do que me iria dar dores de cabeça nos próximos quatro anos.
Na Oficina de Caldeiraria fui recebido pelo seu mestre o Chan Meng Tim com um sorriso franco e espontâneo e é de referi-lo, porque foi o único que me dispensou tal recepção, daqui nos viríamos a tornar amigos e foi com grande pesar que tive conhecimento da sua morte em Novembro de 1999.
Nesta oficina onde foram feitas construções metálicas de vulto lá fui encontrar uma calamdra, um saca bocados e um martelo pilão, já todos muito velhinhos, dignos de qualquer museu. Para o lado do rio estendiam-se duas carreiras de construção, uma maior outra mais curta.

Uma velhíssima estação de serviço anexa à oficina de viaturas, com o seu mestre A Com e que incluía também uma oficina de electricidade completavam o conjunto de oficinas.

As instalações administrativas, o meu gabinete e dois outros escritórios encontravam-se em edifício entre o armazém de materiais e outras dependências da Capitania. Existia, para complementar uma pequena sala de desenho.
Para além do Director das Oficinas existiam mais dois ocidentais, um sargento ACM e um marinheiro fogueiro.
O total do pessoal seria de uns 70 homens, no entanto era variável devido a pessoal contratado temporariamente nos arsenais de Hong Kong para garantir obra especializada em certas empreitadas.

Os Mestres das oficinas eram todos chineses, compreendiam pouco o português falavam com frases curtas e era preciso muito tempo para se começar a compreender o que queriam dizer.
Tudo o que se referiu são ingredientes para uma direcção fácil e sem problemas !


Os oficiais, para além do capitão do porto que, devido à sua posição e feitio, se isolava um pouco, eram o oficial de Administração já referido o ten. A. e o Comandante da Polícia marítima, Ten. M. A.

Logo que os afazeres nos permitiam, reuníamo-nos nos balcões do Hotel Riviera, onde tratávamos dos nossos assuntos particulares e oficiais e onde a análise da situação política não deixava de ser feita, tanto mais, que nos poucos dias em que tivemos a companhia do Eng. N. tínhamos as opiniões de um homem declaradamente de esquerda. Não nos esqueçamos que estávamos em 1960! Essa sua posição haveria de lhe trazer alguns dissabores quando depois de uma ida à China que conseguiu fazer, porque nesses tempos as idas à China eram impensáveis, foi ao Palácio do governador Jaime Silvério Marques dizer algumas das suas verdades acompanhadas de gestos largos que obrigaram o senhor a virar as costas para os não ver.. Era na realidade uma pessoa singular mas de que muito gostávamos. Uns dias depois da minha chegada perguntava-se “Alguém viu o N. ?” Não ninguém tinha visto o N. Nem podia, porque o nosso amigo tinha regressado a Lisboa sem se ter despedido de ninguém! Contaram-me do seu falecimento há já bastante tempo. Desapareceu mais uma boa cabeça.

Já que me refiro às pessoas que estiveram no meu tempo em Macau não posso deixar de falar na honestidade e isenção dos camaradas que indiquei atrás. Lembro que o A, como Cte. Da Polícia Marítima, foi aquilo que muitos chamariam de uma honestidade estúpida. Era solteiro e lá porque resolveu viver com uma chinesa tiraram-lhe a casa oficial, mas ele não deixou a chinesa e teve de alugar um apartamento para viver. Como economias, entregou ao pai, no seu regresso, um filho que o pai teria de criar. Recordo que quando um dia lhe apareceu em casa um serviço de chá oferecido por uns chineses exportadores de tabaco, lá teve de ir a pobre da Lia assim julgo se chamava a chinesa, mãe do seu filho, a cavalo num rickchó entregar o presente de volta. Gentes honesta dirão uns, gente estúpida dirão outros.
Talvez por tradição ou por ética, quem lhe sucedeu teve nesse e em todos os aspectos um comportamento irrepreensível, refiro-me ao Cte.. G. da S.



Deixemo-nos de histórias, que muitos dos que por lá passaram recentemente não compreenderiam e lembremos algumas das horas mais felizes e outras.

É evidente que as horas mais felizes que passei em Macau foram as do lançamento à água de novas construções, tanto metálicas como de madeira e outras obras de vulto.
Permito-me lembrar :

- Batelão para transporte de pedra para 140 toneladas.
-Batelão de ferro basculante para transporte de pedra destinado às obras do porto da Ilha da Taipa.
- Batelão para transporte de dragados com portas de abrir pelo fundo.

Recordo uma peripécia acontecida quando do lançamento à água de um dos batelões, julgo que o de transporte de pedra, o capitão do porto fez questão em convidar o Governador da Província para assistir ao bota abaixo, só que o nosso batelão teimou em não descer a carreira, apesar do sebo que foi colocado para que escorregasse. Eu que não gostava nada daquelas cerimónias até fiquei muito satisfeito. No dia seguinte aproveitando a maré, o nosso batelão desceu a carreira com toda a facilidade. Deve-se ter envergonhado com a presença dos importantes lá do sítio.
- Barcaça de desembarque Patane.
Sobre esta última é de referir que apareceu a necessidade de construir uma barcaça de desembarque. Não havia planos. Soube-se que iriam ser construídas uns pequenos estaleiros lá para o lados do Patane umas pequenas lanchas de desembarque para a Indonésia. Conseguiram-se os seus planos. Eu e o desenhador (A Acan) metemos mãos à obra e aumenta daqui e acrescenta dali aprontámos os planos para construir a “Patane”. Dois motores arrefecidos a ar, Deutz, para não termos problemas com os sistemas de refrigeração. O empenho e sabedoria do Chan Meng Tim, uns soldadores recrutados nos estaleiros de Hong Kong e uns meses depois aí vai a nossa barcaça carreira abaixo e...flutuou!

- Substituição dos dois únicos geradores do Aviso de 2ª classe Gonçalves Zarco.
Depois de feito um buraco no costado de BB, e retirados os velhos geradores, foi necessário fechar de novo o buraco, porque o navio foi mandado seguir com urgência para Timor onde a situação com a Indonésia parecia estar a deteriorar-se. Em 15 de Julho de 1963 largou com as caldeiras em mau estado, pavimento e encanamentos em estado muito duvidoso, mas muito bem pintadinho, ainda disfarçava.
Em meados de Janeiro após o regresso a Macau, foi de novo aberto o costado e apesar da pequena folga em relação ao tamanho dos novos geradores, e depois de uma manobra absolutamente impressionante lá entraram os dois geradores para os seus lugares. Foi dos trabalhos mais extraordinários que tive oportunidade de ver levado a cabo pelo pessoal auxiliar, os chamados “loucanes”, que com o auxilio de uns poucos de pequenos aparelhos de força tipo cadernal, conseguiram controlar ao milímetro a entrada dos geradores.
- Na oficina de Serralharia terá de se destacar os trabalhos para a MELCO com substituição de tubos da refrigeração dos motores geradores, grandes reparações nesses motores com execução de camisas e de uma cabeça de motor e ainda:
- A instalação da Central de Geradora da Ilha da Taipa.
- Construção de portas enormes para o antigo hangar do hidroavião e carros para um corso carnavalesco.
A certa altura o Senhor Staney Hó decidiu que seria feito em Macau um corso carnavalesco semelhante ao que se realizava todos os anos no Estoril e aí são chamadas as Oficinas Navais para construir umas portas gigantes para o antigo hangar da aviação naval e os chassis dos carros.
Tudo foi executado na perfeição, os técnicos do gesso começaram a fazer os primeiros bonecos sobre os carros, mas por razões que nunca vim a saber, possivelmente de carácter político o corso nunca se chegou a realizar.
- Da Oficina de Carpintaria é justo referir, para além da construção de três novas vedetas em madeira de teca para a Polícia Marítima, trabalhos de carpintaria de moldes para fundição de peças de que é de destacar o molde da cabeça para um dos motores da MELCO, trabalho a todos os títulos extremamente complexo. E ainda!- Um dos legados mais incómodos do camarada anterior, o “ferry” para Coloane. O Eng. N. desenhou o “ferry”, mas este teria de passar em águas muito baixas e logo o calado não poderia ultrapassar uns 50 ou 60 cms, já não estou bem certo. Dois motores Magirus, as hélices em túnel, uma ponte mesmo quase na proa e depois de tudo isto, governar não era com ele. Como o que não tem remédio remediado está, só melhorou quando se lhe aplicaram uns lemes tipo esparrela..Nunca navegou como deve ser. Mais tarde vi uma fotografia em que apareceu o dito ferry com o nome de “Hoi Heng”, fazendo a ligação Macau- Taipa Coloane.






Ferry para Coloane



Algumas das coisas más que aconteceram.

- Quando verifiquei que já tinham cortado a quilha da ultima das lanchas de madeira, depois de ter concluído que deveria ter mais um metro de comprimento, para obter uma velocidade bastante maior sem aumento de potência para aquela forma de casco. Paciência foi por horas!
- No dia seguinte era dia de pagamento ao pessoal e como as oficinas vivam de duodécimos e sem autonomia administrativa não havia dinheiro suficiente! Foi uma noite de inferno! Logo de manhã dirigi-me a um dos nossos clientes, a MELCO, e pedi que me adiantassem o pagamento de uma obra que tinha em curso nas oficinas. Fizeram-me esse favor e o pessoal foi pago a tempo e horas.
- Recordo ainda um programa de desenvolvimento de fomento ou qualquer coisa parecida que me permitiu renovar algumas máquinas, adquirir uma pequena grua automóvel e algumas viaturas para transporte de carga. Foi uma boa coisa que permitiu um aumento de capacidade laboral. Não consegui porém concluir o que havia planeado, o que me desgostou imenso.

E Mais ?
Tanto, tanto que eu teria para contar, se a memória não me atraiçoasse, mas é como eu costumo dizer “Com o que eu já passei e tenho aprendido, se eu tivesse memória, era um pequeno sábio”
Gonçalves Zarco


O Gonçalves Zarco, navio que me levou na minha viagem de Guarda Marinha até ao Brasil em 1953, viria a ser o meu transporte de regresso para Lisboa, como adiante contarei. Encontrava-se em Macau onde alternava a sua presença com a estadia em Timor.
Chegou comandado pelo Cte. Fragoso de Matos, tendo como imediato o então Cte. Rosa Coutinho e como oficial de máquinas o meu querido amigo, já falecido, Eng. José Rodrigues Cavaco.
O Navio costumava fazer as suas docagens e reparações de maior importância em Hong-Kong nos estaleiros da Hong-Kong & Whampoa Docks em Kowloon
Aconteceu que, no dia 31 de Agosto, encontrando-se em doca seca, foi dado o aviso de aproximação de tufão. Eu estava em serviço naquela colónia britânica e fui visitar o navio.
Tive de desembarcar, pois que o navio estava a preparar-se para sair da doca e rebocado por dois rebocadores ir amarrar à bóia o que, devido ao mau tempo crescente, só conseguiu já passava da meia-noite. .
O Comandante Pedro Fragoso de Matos, em livro escrito mais tarde, como Almirante, sob o título Recordações do Passado, que publicou em 1978, descreveu magistralmente o que foram as horas de luta entre o navio a sua guarnição e os elementos em fúria, durante a passagem do tufão Wanda. Os ventos chegaram a atingir os 120 nós ( cerca de 200 klms/hora). Registaram-se vários acidentes, como a perda de um dos rebocadores que levara o Zarco para a boia que se afundou com os seus 9 tripulantes, a morte de 152 pessoas, o desaparecimento de 21, cerca de 1.000 feridos, e 75.000 pessoas desalojadas. Dos 80 navios de longo curso surtos no porto de Hong-Kong, afundou-se um e 23 encalharam . Mais de 300 embarcações de menor porte afundaram-se e cerca de 400 sofreram avarias. Foi um Tufão e tanto!
Vá se lá saber porque é que todos os tufões têm nomes de mulher !
O Oficial de administração do Zarco, que era o ten. Serra, foi pai nessa noite, já em 1 de Setembro, pois nasceu uma sua filha em Macau. Como não podia deixar de ser, tomou o nome do tufão e assim nasceu uma Vanda.

Passei a noite inteira com o ouvido pegado ao rádio para tentar saber o que se passava com o navio e recordo-me da minha aflição, quando a certa altura, comunicaram que nada sabiam do Gonçalves Zarco. Soube mais tarde que andara a tentar aguentar o mau tempo, navegando dentro do porto e deixaram durante algum tempo de ter comunicações. Felizmente tudo acabou em bem.
O aspecto da Natham Road, perto do Hotel onde estivera hospedado, era na manhã seguinte desolador, com arvores e reclames caídos por todos os lados.
Já assistira a vários tufões durante a minha estadia por aquelas paragens, mas nada comparável a este Wanda.

Em Outubro de 1962, a guarnição do Gonçalves Zarco mudou. O comando foi entregue ao Cte. Malheiro do Vale e o Cte. Sousa e Costa foi o seu imediato. O engenheiro que substituiu o Eng. Cavaco foi o Eng. Quitério de Brito.
Que me recorde faziam ainda parte desta guarnição o médico ten. Metzin Ribeiro, o oficial de administração ten. Aguiar Cardoso, o ten. Telo Carneiro, o ten. Cristovão Moreira, o ten. Carrilho Mateus, o ten. Laurentino, segundo da máquina e o guarda marinha ...falecido anos mais tarde em Angola. Os que não recordo de momento que me perdoem.

O oficial imediato viria a ser substituído por um oficial que passara a maior parte da sua vida na aviação naval, como piloto, o ten. Manuel da Silva.
Depois de mais de seis anos longe de Lisboa, 9.000 milhas, aproximava-se o regresso do velho navio, dada como finda a sua comissão no ultramar. Foi então que se falou na minha substituição antecipada de dois ou três meses para que ficasse no meu lugar o Eng. Do navio que tinha receio que, uma vez chegado a Lisboa, pudesse o lugar ser tomado por outro. A esposa do eng. era natural de Macau e assim estavam muito interessados em que ele lá fizesse uma comissão. A Marinha antevendo nesta rendição um motivo para poupar o dinheiro de uma viagem, pois a minha seria paga pela Província, não hesitou em nomear-me para Chefe de Maquinas em diligência do Zarco, no seu regresso a Lisboa. Refira-se que a instalação propulsora do Zarco estava em muito mau estado na generalidade e as caldeiras em particular.

E foi assim que o Lourenço regressou a Portugal. Felizmente no regresso a família teve mais sorte e viajou para Lisboa num belíssimo paquete inglês o Oriana. Fizeram uma viagem de 18 dias e o Zarco levou só 49 dias e pelo canal do Suez!

O dia do regresso chegou, as lágrimas foram muitas e entre as centenas de pessoas que acorreram ao cais, lá estavam os camaradas, a mulher e a filha a acenar-me.
O navio ostentava uma flâmula de duzentos metros correspondentes aos nove anos que o navio permanecera fora de Lisboa em comissão no Oriente.

Eram 11.50 do dia 28 de Março de 1964, quando o navio largou da ponte cais do porto de Macau e começou a descer o porto interior, mas à passagem pelas Oficinas Navais deparou-se-me a maior surpresa da minha vida, pois que os operários se espalharam ao longo das muralhas enquanto o rebentamento de milhares de panchões quase nos tiravam a visão das gentes que nos quiseram dizer adeus. Tudo ficou na história como a despedida do Zarco, mas eu sabia que a despedida se dirigia a mim em especial, como mais tarde me confirmaram.. Amigos, deixei muitos entre os chineses, menos amigos, terei deixado alguns entre os portugueses e entre os macaenses, mas não é possível agradar a Deus e ao Diabo.

Sobre a viagem espero ainda vir a ter vontade para escrever umas linhas.

E já que cheguei até aqui, deixem-me recordar algo desta viagem.

Para começar há que lembrar que o velho Gonçalves Zarco estaria agora com uns trinta e muitos anos de vida e apesar das intervenções de toda a ordem, já referidas, que sofreu nas Oficinas Navais de Macau, lembro a substituição dos dois grupos electrogénios, e as reparações das caldeiras na Whampoa Docks de Hong Kong, nada conseguia sobrepor-se ao desgaste estrutural do material, principalmente das caldeiras que eram o seu ponto fraco.
Já na travessia de Cape Town para Santos no Brasil, em 1954, na minha viagem de Guarda Marinha, muitos foram os tubos das caldeiras que foram precisos tapar para chegar aonde era de chegar.

Pois foi exactamente o estado de crepitude deste nobre vaso de guerra que ditou o seu regresso a Lisboa naquilo que seria a sua derradeira viagem, depois de 9 anos de ausência. E quem melhor, mais ajustado para assegurar a longa viagem como responsável pelas suas máquinas do que o tal Eng. Lourenço ? Tudo se conjugava. A sua presença em Macau, o interesse do Chefe do serviço de máquinas do navio, camarada que por acaso até casara naquela província para onde já levara a mulher possivelmente com a ideia de ficar nas Oficinas, enquanto o Lourenço haveria de assegurar a viagem do calhambeque para Lisboa onde o esperava a sucata. E foi assim. Foram só 49 dias de viagem bem suados. Suados de toda a forma. O calor que se sentia a bordo naquelas paragens é imaginável. Na Casa das caldeiras só se podia tocar nos corrimões das escadas com luvas calçadas. Quantos graus? Não sei mas não andariam muito longe dos sessenta centígrados. Mas já lá vamos.

Estava quase o sol no zénite, daquele dia 28 de Março quando o NRP Gonçalves Zarco, sob o comando do Capitão de Fragata António Julio Malheiro do Vale, largou da ponte cais n.º 8 do porto interior de Macau.
Esfumaram-se no horizonte as colinas da mui Nobre e Leal Cidade do Nome de Deus de Macau, enquanto a proa do Zarco abria caminho nas amarelas águas do rio das pérolas e já há muito se deixara de ver a Ilha de Coloane quando no horizonte se fez anunciar a proximidade da ilha de Hong Kong.
Amarrámos à boia n.º 2 no porto de Hong Kong pelas cinco horas da tarde e na manhã do dia seguinte fomos atracar ao cais Tamar, lá para os lados do Van Xai. O navio conhecia bem o porto onde aguentara o maior temporal, da sua vida o Tufão Wanda que já referi, quando ainda comandado pelo saudoso Comandante Fragoso de Matos que descreveu magistralmente essa página de glória e aflição do seu Navio.
Após os arranjos administrativos e logísticos que terão durado dois dias, largamos às 13.00 horas tomando o rumo de Singapura, com as máquinas “toda a força avante” a 190 rotações por minuto.

O tempo estava calmo e não fossem as faltas de habitabilidade do barco e o calor húmido da região tudo seria mais agradável.

Do teto do meu camarote baloiçava ao sabor da cadência do balanço do navio uma grade contendo um pequeno aquário com os peixitos tropicais do desmonte do meu aquário comunitário que seria o embrião de um hobby que em 1973 se tornaria numa das mais importantes lojas de aquários do país e que ainda hoje perdura, apesar de por várias vicissitudes, já não me pertencer.

O navio singrava as águas do mar da china numa velocidade que faria inveja a qualquer tartaruga que rumasse ao seu lugar de desova. A velocidade rondaria os 10 ou onze nós !
O ambiente social a bordo não era invejável. Os oficiais metiam-se nos seus camarotes, nas suas horas de folga enquanto não estavam de quarto de navegação à ponte. Como de costume o engenheiro não fazia quartos pois era suposto não perceber nada de navegação nem de outros assuntos que só a nobre classe de marinha tratava por tu. O comandante logicamente estava de quarto as vinte e quatro horas por dia em situação de Stand by, bem como o médico e o engenheiro. Já não me recordo se o oficial de administração fazia quartos, mas ainda um dia destes vou verificar isso.
O Comandante, apesar do seu bom feitio não andava muito satisfeito e muitas vezes atravessava o corredor que separava as portas dos nossos camarotes para vir desabafar. Recordo de ele me interpelar “ Olhe lá o chenhor Lourenço os gajos já o apalparam para entrar nos quartos?”

O Imediato, esse era um castiço. Mais afoito nas asas de uma aeronave, como antigo oficial aviador da Aviação Naval, que como muitos se recordarão foi anexada pela Força Aérea em 1952, adquiriu o estatuto de doente e só saía da toca para ir às formaturas de serviços e para tomar as refeições, e quando aparecia era sempre com os cantos da boca cheios de pó da Gelumina que tomava para tratar a ulcera de estômago.

Havia um guarda marinha, Machado Ramos, que pela sua irreverência se aproximou mais de mim. Os bons chegam-se aos bons! Gostava francamente dele e da sua frontalidade.

Eu por mim, passava a vida a rezar para que as caldeiras não dessem o berro. As perdas de água eram muitas e o vapor escapava-se pelos bucins dos veios e hastes das máquinas. Havia que lançar o vaporizador diariamente 2 ou 3 horas para repor a água perdida o que obrigava a reduzir o andamento do navio para as 135 rotações que deveriam corresponder a uns seis ou sete nós de velocidade. Com o aparecimento de furos no tubular das caldeiras a coisa agravou-se e volta e meia tínhamos de mudar de caldeira para tapar os tubos. Era uma operação titânica, pois havia que apagar a caldeira, identificar o tubo ou tubos rotos, vazar a caldeira, abrir os colectores onde estavam abocardados os tubos rotos e tapa-los com bujões de ferro que eram metidos na boca dos tubos à marretada. Tudo isto num ambiente que deveria rondar os 60 graus centígrados. Trabalho de escravo. Mas lá dizia o outro. “Só quando os navios tiverem o convés de vidro é que se pode ver o que lá vai em baixo! “

E assim foram correndo os dias .
No porto de Singapura, onde chegámos a seis de Abril, pelas oito da manhã, ficámos fundeados no porto Man of War, ao largo, a umas milhas do cais de desembarque mais perto, com o ferro de bombordo e 4 quarteladas de amarra.
A cidade era muito grande e possuía já uns edifícios bastante imponentes, mas tinha um aspecto um pouco desorganizado. Por Singapura passam muitos dos grandes negócios do Oriente. A prosperidade era visível e estava em franco progresso. O tempo que lá estivemos foi muito curto para conhecer esta pequena metrópole.

Esta paragem serviu para nos prepararmos para uma travessia do Indico até Aden .

Como a memória é coisa que já se gastou resolvi ir até ao Arquivo Geral e consultar o Diário de Bordo desde o dia 28 de Março até à ultima folha que se encontra escriturada no dia 16 de Maio de 1964.

Daí extraí alguns pedaços de memória.


Dia 9 de Abril - O navio suspendeu às 20 horas e seguiu para o estreito de Singapura rumo a Aden com tempo de trovoada . Rumo 308 a 180 rotações. Pelas dez e vinte foi avistado o farol de Pisang.
A rota que seguimos é bastante concorrida e assim avistámos navios com muita frequência..
A dez de Abril avistámos, entre outros, um navio patrulha da Marinha da Nova Federação da Malásia.
A 11 de Abril , navegando ao largo de ATJEH ao norte de Sumatra, foram avistados vários navios de guerra e um transporte de tropas inglês. O tempo estava calmo, trovejava. Um forte aguaceiro que caiu sobre o navio permitiu que muita gente aproveitasse para tomar banho e refrescar-se.
A 12 de Abril obtivemos no radar o eco das ilhas de Bengala Passage. Avistou-se bastante navegação.

O dia 14 foi marcado por um caso insólito. O médico, Dr. Messing Ribeiro, logo de manhã comunicou ao comandante que havia um grumete que estava com uma apendicite aguda e tinha de ser operado. Aventou-se a possibilidade de desembarcar o homem no porto mais perto, mas toda a costa nesse momento nos era hostil depois de termos perdido as nossas posições na Índia e não termos relações com a Indonésia. O Médico dispunha-se a operar o doente, mas o comandante estava um pouco receoso. Pesados os prós e os contras lá foi decidido operar o marinheiro.
Foi preparada a enfermaria, arranjou-se um voluntário para limpar o suor da testa do médico para não cair dentro da barriga do homem e assim se fez. O que é certo é que passados poucos dias o nosso grumete já estava sentado à porta da enfermaria.

Para passar o tempo, enquanto o velho aviso se arrastava a passo de caracol singrando as águas do Oceano Indico tão apetecido dos marinheiros de 500, resolvi agrupar alguns marinheiros e todas as manhãs lá estávamos numa sessão de ginástica no castelo da proa. Não houve muitos aderentes, mas os que começaram mantiveram-se enquanto a madurice durou.

Dia 15 . Foi avistada terra logo de manhã. Deveria ser a ilha de Ceilão e o farol de DRA HEAD. Os relógios atrasaram mais uma hora, pela quarta vez. Tivemos uma avaria numa das turbinas que nos obrigou a andar a boiar durante duas horas.

Dia 17.- pelas 13.30 avistou-se o paquete inglês “PO ORIANA”, pela alheta de EB (estibordo). Manobrou-se de forma a aproximar dele. Distância mínima 2,4 milhas. Não foi possível passar uma mensagem aos passageiros portugueses que nele viajavam procedentes de Macau. Desapareceu pela amura de EB cerca das 15.30 Neste belo transatlântico regressavam a Lisboa, onde chegaram uns 15 dias depois, a minha mulher e a minha filha.
Enquanto o Oriana desaparecia no horizonte a fazer os seus mais de vinte nós, íamos fazendo uns 8 ou nove nós. Nessa mesma manhã tivemos de acender a caldeira nº 1, porque a nº2 teve de se apagar já com uns 15 tubos rotos. Parecia mais um passador do que uma caldeira. Passei 15 anos da minha vida a bordo, no mar, mas nunca entrei num Navio Mercante.

Dia 19 – De tarde baixou-se as rotações da Máquina para permitir fazer água destilada com o vaporizador, para compensar as perdas de água devido às roturas e outras pequenas fugas. Voltou às rotações normais depois das onze da noite.

Dia 20 – O susto foi grande quando se soube que o vaporizador tinha avariado. Era fundamental para manter a instalação das máquinas a funcionar. Sem ele não seria possível fazer água destilada para alimentar as caldeiras.
A bomba tripla do vaporizador foi desmontada e trazida para o convés, onde foi toda aberta. Encontrou-se um pequeno pedaço de zinco na saída da extracção de sais. Depois de várias horas de trabalho ficou pronto à tardinha! Não havia água doce para o banho. Tomávamos banho com água salgada e um sabonete especial. Água doce só para lavar a cara e os dentes. No dia seguinte o vaporizador quase não parou, para compensar as perdas.

Dia 22 – Alcançamos a entrada do Golfo de Aden. Mesmo pela manhã o calor e a humidade eram muito elevadas. Muitos elementos da guarnição dormiam espanhados pelos cantos do convés para tentarem descansar alguma coisa. São as maravilhas da vida no mar.

Dia 24 – Fundeou e amarrou pela popa a uma bóia em Aden eram uma e cinquenta da mnhã.
O cônsul de Portugal ofereceu um cocktail aos oficiais do navio e convidou alguns importantes lá da terra. Não me posso esquecer de um sultão muito importante que no entanto vinha muito mal vestido, com um turbante que parecia um pano do pó, uns sapatos ocidentais, mas sem meias, no entanto tinha o seu Rolls Royce, uns tantos Mercedes, dois aviões uma mulher e várias concubinas. Era um Senhor e fazia questão de o demonstrar com o seu ar altivo e a sua barbicha empinada. Outros convidados mostraram-se bastante mais simpáticos.
No segundo dia de estadia, organizou-se um almoço a bordo e entre os convidados lá veio o nosso sultão. Além do cônsul e do almirante inglês vieram também vários oficiais ingleses, que fizeram honras ao nosso bacalhau "à Braz" e ao vinho verde fresquinho que correu com muito agrado pelas goelas abaixo.
O jogo de futebol que organizámos com os ingleses foi ganho pela equipa do Zarco.

Entretanto o pessoal da máquina continuava a trabalhar no duro para reparar as caldeiras e um problema nas redutoras.

Enquanto permanecemos no porto todos os dias houve almoços a bordo, alguns bastante agradáveis. Veio fundear no porto um porta aviões americano com a sua escolta de 4 “destroyers”.

Dia 28 de Abril – Foi um dia algo especial porque conseguimos ultrapassar um navo mercante. Era grego e ia a 9 nós contra os nossos 10.. Avistámos várias ilhas espalhadas pelo Mar Vermelho.
Dia 29 – Soubemos pela Press Lusitana que Salazar fazia 75 de idade e 36 de governo. Ainda deu para fazer um bocado de humor na Câmara dos oficiais.




O mar piorou francamente com vento e vaga de proa, o que nos levou a perder o comboio de navios que estava previsto para a passagem do Canal do Suez.




Tínhamos levado cinco dias para galgar o Mar Vermelho que no mapa parece ser bastante pequeno. Apanhamos sempre mar e vento de proa. Velho e em mau estado como estava o navio obrigava-nos a inspecções constantes aos entre fundos do navio. Não fosse alguma chapa ceder. Uma fragata inglesa que também ia para a sucata, sai dois dias depois de nós de Aden e chegou praticamente ao mesmo tempo ao Suez.
O bom tempo e os banhos de sol tinham ficado para trás e os ca+potes saíram dos armários.

Fundeámos no Suez no dia 3 de Maio às 15.20 h.

Tivemos que esperar pelo próximo comboio, fundeados no Suez e aproveitamos para tentar, mais uma vez reparar a caldeira nº 2 que já estava com 10 tubos rotos. Depois de apagada verificou-se que afinal eram 22 tubos e não conseguimos veda-los todos pelo que teríamos de ir para o Mediterrâneo só com a caldeira nº1 e umas rezas à Nossa senhora de Fátima. Para já era preciso alcançar Malta.

Tivemos problemas com o pagamento da passagem do Canal pois não aceitaram cheque do Banco de Portugal e o que nos valeu foi o cônsul de Espanha. 800 libras foi o preço da passagem. Mesmo assim quiseram ver o Diário de Bordo, pois que o navio estava na lista negra porque não tínhamos relações com o Egipto e queriam ter a certeza de que não tínhamos estado em Israel. A ultima vez que o navio por ali passara foi em 1955.

Dia 4 – às quatro e meia da manhã o comboio começou a entrar no canal conduzido por pilotos muito experimentados. Nós suspendemos por volta das dez e fomos fundear numa espécie de bacia o Great Beater Lake, esperando que passasse o comboio que vinha em sentido contrário. A Bombordo a margem do canal estava cheia de gente a festejar uma espécie de dia da primavera, fazendo pic nics. Havia imensos jardins e palmeiras. Em contraste a Estibordo só se via areia e nada mais.
Por volta das cinco da tarde passamos por Ismaília onde avistamos uma bela praia cheia de gente. A noite caiu e os navios com os seus faróis acesos faziam lembrar uma autoestrada. Às dez e meia da noite largamos o piloto à saída do canal e enfrentámos o Mediterrâneo com o Farol de PotSaid pelo azimute 182, rumo a Malta.

Dia 5 – a navegar no Mediterrâneo com um balanço de parafuso muito desagradável e suspensos na resistência da caldeira n.º 1.

Dia 7 - O vento rodou e ficámos com balanço bombordo, estibordo que nos faz andar de pernas abertas para não andarmos aos trambulhões.

Dia 8 de Maio – atracámos no porto de La Valleta

La Valleta é uma verdadeira fortaleza no meio do mar e onde se terão dado valentes combates no tempo dos cruzados e mesmo mais.
Nessa altura ainda era uma colónia inglesa, mas estava em progresso a sua independência , mas sem problemas de maior. Toda a ilha é história e aí se podem encontrar desde catacumbas dos romanos a templos construídos há mais de dois mil anos. A cidade de Medina fundada pelos cavaleiros de malta lá estava a testemunhar a história.

A sua localização e todo os testemunhos históricas torna Malta num destino turístico muito interessante, tanto mais que os malteses são um povo simpático e hospitaleiro.

Na tarde do dia 9 de Maio deixávamos para trás o porto de Malta e dirigimo-nos para oeste em demanda do estreito da Gibraltar, porta que nos haveria de deixar entrar no nosso Oceano Atlântico e virando a esquina entrar em nossa casa.
De dia 10 para 11 tivemos uma noite de balanço bastante forte que mal nos deixava descançar o corpo.

Dia 11 - O tempo começou a melhorar, ainda que se conservasse bastante cinzento e avistámos uma ilha italiana a Pantellaria, com a sua cultura de vinhas em socalcos.

Dia 13 - O navio foi invadido por uma nuvem de grilos, negros gordos e luzidios que se meteram em tudo o que é sitio e passados vários dias ainda por lá grilavam a bom grilar. Era uma sinfonia incrível.
Alguém dizia por graça que íamos entrar em Lisboa com orquestra e tudo.

Dia 14 - Chegamo-nos a terras de Espanha, avistámos Málaga e rumámos ao Estreito de Gibraltar. Entretanto nas cobertas continuava a caça aos grilos que não deixavam dormir ninguém.

Passamos Gibraltar e fomos mimoseados com um mar bastante agitado.

Na madrugada do dia 15 já avistáramos os relâmpagos do Farol de Santa Maria situado na barra Olhão – Faro. Alguém se encarregou de pedir para terra umas sardinhas, pimentos e alfaces.

Recebemos um rádio do nosso Chefe do Estado Maior que foi lido para todo o navio em que elogiava o cumprimento da missão do navio apesar do seu estado de velhice e saudava toda a guarnição.

Dia 16. de Maio de 1964 – Ninguém dormia a bordo. À meia noite passamos ao largo do Cabo de Sines.
Tocou à faina às 9 horas.
Tomou rebocadores e atracou na ponte 3 da Base Naval do Alfeite às 9.30 h.
Assim reza o Diário Náutico.


O que no diário náutico não consta, são os sentimentos desencontrados e múltiplos que se apossaram de todos quantos acabavam de chegar de volta à sua Terra.

Naquele tempo ainda existia a PATRIA AMADA. Coisa obsoleta, não é?

É




Com certeza uma das maravilhas do Mundo esta entrada no rio Tejo, para aqueles que ao serviço da Pátria saem a barra e por lá andam meses e meses, anos e anos.
Tudo para além da beleza natural deste local impar.

O Farol do Bugio que outrora fora bastião forte de defesa da barra, continua a guardar a segurança da entrada do Tejo de forma que os navios não enchurrarem nos traiçoeiros bancos de areia que ladeiam para sul a entrada da Barra.


Poucos saberão das verdadeiras epopeias que constituía, nos Invernos de mau tempo a rendição dos faroleiros que para manterem o farol em funcionamento, viviam no meio do mar durante 15 dias e por vezes mais, quando havia que esperar por uma aberta no tempo para que o pequeno rebocador da Direcção de Faróis pudesse aproximar-se do pequeno cais do Farol do Bugio. Acompanhei muitas vezes esta operação empunhando os binóculos da janela do meu gabinete na Direcção de Faróis em Paço De Arcos.

Do lado Norte lá estava altaneiro e vetusto o Forte de S. Julião da Barra. Sempre que por ali passava teria de me lembrar de uma entrada da Barra no contra-torpedeiro Dão debaixo de temporal desfeito, no dia 17 de Fevereiro de 1957. Foi por milagre e pela destreza do seu comandante que o navio não se espatifou contra o Forte, tal era o mau tempo que se fazia sentir.

Nós "entremos" a barra e "alimentemos" a nossa visão com essa paisagem extraordinária que ladeia o rio nas suas margens.
Não, ainda não havia ponte e os pequenos cacilheiros enchiam de vida a travessia Cacilhas - Cais das Colunas. Nesse tempo o estuário do Tejo fervilhava de movimento. Os cais de atracação estavam cheios e os navios mercantes que aí não tinham lugar fundeavam no Mar da Palha onde fragatas e batelões que se lhe atracavam assistiam na descarga dos seus porões. Pois é que contentores também era coisa nunca vista naqueles tempos.
Mas que beleza, ver todas essas fragatas de velas enfunadas pelo vento rasgarem as águas nem, sempre calmas, do Tejo.

Atracámos no Cais no Alfeite, mas só nos esperava a família. Nem um oficial em representação do Chefe do Estado-Maior. Parece que o nosso orgulho traduzido na flâmula de 200 metros que o navio ostentava, morria ali. Não é que não estivéssemos já acostumados, mas tínhamos sempre a esperança de sermos recebidos condignamente. Nos Portos estrangeiros sempre tínhamos honras à chegada, com salva de tiros e tudo, mas em casa … nada. Agora, a TV vai a todas.

O termos conseguido chegar sãos e salvos, já era uma verdadeira benesse dos Deuses do Olimpo.
O Navio, esse, tinha alcançado a sua última morada, qual elefante moribundo!



LX. 07-03-11

JAL

2 Comentários:

Blogger Pedro Lourenço disse...

Mais uma vez viciante. Lê-se com fome. Está mesmo muito bem escrito e aumenta a vontade de saber mais. Bom trabalho de memória. Muitos parabéns!

6 de abril de 2007 às 10:29  
Blogger Contacte-nos disse...

Grandes aventuras por esses mares...já não se fazem caldeiras com 22 tubos rotos como antigamente...fazer esse navio flutuar deve ter sido uma tarefa herculeana!

Grandes estórias, obrigado por partilhar com esta malta mais nova.

27 de abril de 2007 às 13:14  

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