quarta-feira, 7 de março de 2007

Macau


Quando na noite de 19 de Dezembro de 1999, assisti em directo pela TV, às cerimónias de devolução de MACAU à China, lembrei-me de um apontamento que outrora escrevera a pedido de um camarada e que passo a transcrever com algumas alterações.

“ Era a hora do sol mergulhar nas águas amarelas do estuário do rio das pérolas, não fosse o facto de chover torrencialmente nesse fim de tarde do dia 31 de Agosto de 1960, quando o Fatsan, um dos dois Ferries que asseguravam nesse tempo a ligação entre Hong Kong e Macau, atracava na “Pat O MaTau ” (ponte n.º 8) do porto interior da cidade do Santo nome de Deus – Macau.

Acotovelavam-se os chineses que à minha volta tentavam lograr uma posição que lhes permitisse desembarcar o mais depressa possível.
Mesmo depois de ter passado já umas horas em Hong Kong, pois chegara na tarde do dia anterior ao aeroporto de Tai Pack, o que me rodeava era estranho e submerso num ambiente de misterioso exotismo, onde cabia o forte cheiro a chá que impregnava o barco de onde me preparava para desembarcar.

Com a mala numa das mãos e a espada na outra, os meus olhos perscrutavam os que se encontravam em terra, na esperança de ver um rosto ocidental familiar ou mesma uma qualquer farda. Pareceu-me vislumbrar um rosto de branco com um farto bigode e chapéu branco de palhinha, encostado a uma parede de um pequeno edifício do cais, mas cedo deixei de o ver.

Quando pisei o cais dirigi-me a um chinês fardado (talvez macaense ou não, porque para mim nessa altura eram todos iguais), agente da Policia Marítima, dizendo para os meus botões – “Até que em fim vou poder falar português, o que já não fazia há três dias”
Qual quê! A minha primeira desilusão aí estava! O tal agente fardado, quando o interpelei dizendo quem era e pedindo-lhe orientação para chegar a alguém da Marinha, mimoseou-me com uma algarviada, perdão, uma chinesada, que me deixou ali especado e sem saber o que fazer. Apareceu, no entanto um outro agente, falando muito mal português, mas que me convidou a segui-lo. Lá fui transportado num velho Land Rover, bater à porta de uma das três casas de uma rua sem saída na encosta de uma colina e que mais tarde vim a saber que se chamava a “aldeia das três casas”.

À porta apareceu-me uma senhora que olhando para mim com ar interrogativo me disse ser a esposa do ten. Á., mas Ele não estava. Convidou-me a entrar e a esperar um pouco porque ele não deveria demorar muito. E ali fiquei. Estava em casa do Tenente Á., esse oficial de Administração Naval, Bom com um B grande, pois nunca lhe consegui descobrir o lado mau, competente e um excelente camarada. Recebeu-me com o seu sorriso simpático enquanto me dizia: “Então você chegou hoje? O N. não estava à sua espera no cais? Onde é que ele se terá metido? Referia-se ao ten.. Eng. Maquinista F. S. N., Director das Oficinas Navais de Macau e que há já uns meses esperava o seu substituto que seria eu. Já mandara a família para Portugal há muito tempo e andava a dizer a toda a gente que com ou sem substituto ia regressar.

Enquanto o eng. N. esperava e desesperava em Macau eu, em Lisboa, quase todos os dias ia à repartição que tratava dos movimentos saber se ia ou não para Macau e se um dia me diziam que sim no dia seguinte diziam que não, até que um dia, passados meses, fui confrontado com a urgência das urgências e a partir daí, foi tudo muito rápido – inspecções médicas, certificado internacional de saúde, passaporte etc. etc. E a família? “Ah! pois é, você tem família! Pois, mas essa vai depois! Clamei, barafustei mas nada consegui! Avião da PANAM e ele aí vai.
A família, a mulher e uma filha de 2 anos seguiriam no confortável paquete Timor com escala de 10 dias na Índia! Quando um mês e tal mais tarde recebi a família iam em tão mau estado que a filha parecia um bicho cheia daquela borbulhagem provocada pelos grandes calores e que vulgarmente é conhecida por “pica pica” ou líquen.

Mas deixemos estes pormenores, que os chefes consideram de somenos importância. Ainda terei oportunidade de recordar o regresso de Macau, que também teve a sua graça, amarela já se vê!

Voltemos ao tal dia da chegada.
O Ten. Á. foi comigo à Oficinas Navais, dentro das quais se encontrava a minha futura residência.
O carro desceu a colina até a uma avenida marginal que acompanhava a curva da Baia Grande até à entrada do Porto Interior, ladeada por velhas árvores, passou junto do matadouro com o seu cheiro peculiar a porca...ria, entrou nas instalações das Oficinas Navais e imobilizou-se ao cimo de uma rampa com carris que mergulhavam nas águas de numa pequena doca, a de D. Carlos se a memória não me atraiçoa.
“É aqui”, disse o Ten. Á. sempre com o seu melhor sorriso.

O barulho da chuva a cair sobre os telhados de zinco que cobriam os edifícios e telheiros das Oficinas era ensurdecedor.
Entretanto tinha anoitecido e a iluminação não era nada famosa.
Olhei com uma certa dificuldade o pequeno edifício à porta do qual o carro se imobilizara e subimos as escadas de acesso ao terraço da entrada da moradia que se situava por cima da oficina de carpintaria e que se assemelhava mais a um espigueiro minhoto do que a uma residência.
Experimentámos a porta da casa que estava aberta e entrámos. A casa estava completamente vazia e deserta.
“È aqui “, repetiu o tem Á. “desenrasque-se”. E abalou!
Não sei precisar que horas eram.

Percorri a pequena casa que era constituída por um quarto com uma antecâmara onde se situava a casa de banho, uma sala com outra antecâmara e duas divisões numa marquise sobranceira à doca.
Era uma coisa Famosa!
O soalho de madeira de teca rangia sob o peso dos meus passos e aqui e ali pareceu-me esburacado. O calor era intenso a atmosfera húmida parecia irrespirável o suor alagava-me por completo, mas lá estava uma ventoinha no teto para melhor espalhar o calor!.
Deitei-me sobre a única cama que encontrei, com o colchão nu e lutei com o calor e com o barulho da chuva sobre os telhados de zinco até que a fadiga se sujeitou ao sono!
Acordei pela manhã ao som de um pregão cuja música ainda retenho na memória
“Mai Min pau – Mai Min pau....” Saberia mais tarde que era o pregão do padeiro “Compra pão, compra pão.”

4 Comentários:

Blogger Pedro Lourenço disse...

A riqueza dos pormenores têm a capacidade de nos fazer viajar algures em Macau para o ano de 1960. Muito bem escrito e quase que viciante. Aguardo o dia seguinte...
Abraço Forte

7 de março de 2007 às 12:27  
Blogger Prud. disse...

Vivencias de uma VIDA NAVAL, raramente compreendidas, por quem, sem nunca lá ter vivido,decide, deternina e, legisla!!!!
Cumptos.
Prud.

2 de junho de 2007 às 19:50  
Anonymous Anónimo disse...

MUITO BEM....GOSTEI,EIDE VIR MAIS VEZES...CONTINUEI...ABRAÇOS, NUNO VIEGAS,

9 de julho de 2008 às 14:53  
Blogger JB disse...

gostei muito. tem mais histórias e imagens de macau? liceumacau@gmail.com

24 de fevereiro de 2009 às 23:36  

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